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Às vezes eu fico pensando. Se o feminismo é algo tão difícil de ser entendido até mesmo por mulheres, imagina a dificuldade que um homem (caucasiano e de classe média alta, para piorar ainda mais) pode ter para compreender esse movimento? Saber que existe inequalidade e preconceito é superficial; temos a consciência, todos os dias e a cada segundo, de que há pessoas passando fome pelo mundo. Isso já se tornou tão comum que nem afeta mais a maioria. É fácil de entender que existem discrepâncias entre o salário da mulher e do homem, que o corpo da mulher é visto como objeto sexual, que por anos o homem foi visto como o chefe da casa e a mulher como a empregada. E é nesse momento que muitos dizem “Mas o mundo está mudando. Mulheres trabalham, mulheres votam, se isso não é equalidade, então o que é?”

Não. Não é isso.

Não é esse o foco. Não é essa a alma do sentimento. Sabe qual é? Eu vou te dizer. Pensemos que, teoricamente, tu é uma mulher. Tu coloca uma calça jeans, uma blusa e um tênis. Tu sai de casa. Tu não está, de maneira alguma, vestida com nada que possa ser considerado provocante, muito menos sexual. Sabe o problema? Não importa. Não importa se tu tá de peitos de fora, pelos púbicos ao vento, você vai andar pela rua e pessoas vão te encarar. Homens vão te olhar de cima a baixo, vão gritar “linda” ou “gostosa” ou, pior ainda, “baranga” para ti sem o mínimo de respeito, como se, em uma analogia meio idiota, eles estivessem em um museu e tu fosse um quadro; como se o direito de te encarar e te desejar e dizer se é bom ou se é ruim, de aprovar ou desaprovar, fosse deles, porque, afinal, estamos lá em exposição.

Ser mulher é viver em constante desconforto, com vergonha do próprio corpo, por ele ser desejado e, ao mesmo tempo, nunca bom o suficiente (vide vídeos da Laci Green). Ser mulher é não ter coragem de sair à noite (forget that, ter medo de sair ao dia) por medo de ser estuprada. Ser mulher é sentir uma obrigação externa quase moral de ser desejável, de ser bonita, de ter um corpo legal; mulher que não é bonita, afinal, serve pra quê? Ser mulher é precisar ouvir que “aquela personagem é muito Mary Sue” quando a personagem é forte e corajosa; que “aquela mulher é ridícula” quando o autor mostra uma personagem submissa e “nossa, mas que personagem sem graça”, quando a pessoa em questão é uma “mulher normal”, sem muitos defeitos terríveis ou qualidades exageradas.  O pior do machismo não são as piadas de mau gosto, os “lugar de mulher é na cozinha”, os “mulher não deveria poder dirigir”, ou os “tinha de ser loura burra”. O pior do machismo são as crenças inconscientes que existem dentro de cada. pessoazinha. dessa sociedade deturpada, não importando se é mulher, homem ou trans*. Por que é aceitável (até por ali) uma mulher se vestir como um homem, mas é bizarro um homem se vestir como uma mulher, usar maquiagem, resolver que ele quer ter peitos também? Por que “gay” e “(trans)viado” são termos pejorativos?

Porque se um homem tem características femininas, afinal, ele não é homem. Ele não é macho.

A inequalidade entre homens e mulheres, aliás, é só a cobertura do bolo (ou qualquer outra comparação idiota que tu queira fazer). Não é, de maneira alguma, a única coisa de que o feminismo trata. Se ser mulher é difícil, imagina ser mulher, ser negra, não ter status e não ter dinheiro? Se ser mulher é difícil, imagina se identificar como trans*; imagina não saber ao certo quem tu é, imagina não poder fazer algo banal como ir ao banheiro simplesmente por não saber se tu deve entrar pela porta do masculino, ou pela porta do feminino. O feminismo não luta somente pelos direitos das mulheres. O feminismo luta pelo fim de toda e qualquer inequalidade, todo e qualquer preconceito, de todos esses pensamentos subconscientes que mais do que escravizarem somente as pessoas do sexo feminino, escravizam também os homens. A nossa sociedade de sexualização máxima enfia o patriarcado goela a baixo de meninos que mal tem idade para fazer xixi na privada. Seja com a proporção ridícula de homens super heróis/mulheres super heroínas, seja com clipes de música que mostram mulheres seminuas, dançando e se esfregando no macho alfa, seja até mesmo somente enxergando a relação entre os seus próprios pais e mães. Essas normas inconscientes que nos são impostas desde criancinhas nos fazem mais do que simplesmente dar um salário menor para a mulher; elas nos impedem de ter relacionamentos interpessoais saudáveis, fazem crianças serem esnobadas na escolinha porque gostam de brincar de Barbie e não de carrinhos, fazem com que aquilo que há de diferente se torne uma doença, e não algo a ser compreendido e festejado. E isso é sem nem entrar no mérito do gênero e das crenças heteronormativas, o que daria mais umas dez páginas que eu sei que ninguém tá a fim de ler.

O que eu quero é viver num mundo em que eu não esteja saindo de uma clínica hospitalar e um cara passe por mim, me olhe de maneira nojenta, e diga “Nossa, que linda”, como me aconteceu há não muito tempo atrás. Com licença? Eu não pedi a tua opinião, tu não me conhece, tu não tem direito algum sobre mim ou sobre o meu corpo, que tal um pouco de respeito? Entretanto, sabe o pior? O pior foi a minha reação. Nenhuma. Nada. O máximo que eu consegui fazer foi encará-lo com cara de desprezo, muito pouco perto das poucas e boas que eu deveria ter dito, mas eu não consegui. Travei. De medo. E se eu respondesse e ele resolvesse dar meia volta e me socar a cara?

Eu não quero mais precisar sempre cogitar essa possibilidade. Eu quero me sentir segura. Eu quero não me sentir violada.

Se tu fosse eu, também não estaria puto da cara?

Nos últimos anos, tornou-se comum a noção de que cada vez menos jovens querem ser professores. Muitas vezes, não há sequer a dúvida da escolha, pois a profissão não chega nem a ser considerada uma opção viável. De acordo com a Fundação Carlos Chagas, em pesquisa realizada sobre a atratividade da carreira docente no Brasil, 67% dos 1.501 jovens entrevistados não pensam em ser professores. Dizer que esses números são nada menos do que um tapa figurativo no rosto da sociedade brasileira é redundante. Professores, afinal, são um dos pilares de qualquer país.
Ademais, que o Brasil não investe em educação não é novidade. Que a maioria do país é analfabeta funcional, muito menos. A falta de atenção para com os seus professores, entretanto, é um fato tão gritante quanto ignorado. Como pode-se esperar um bom futuro para uma nação com profissionais despreparados? Como, em um país que dispõe da sexta maior economia do mundo, pode ser tolerada tamanha discrepância quando o assunto é a educação?
Atualmente, ocupar a “profissão das profissões”, embora pareça lisonjeador, é mais trabalhoso do que recompensante. A falta de uma política sistemática para a formação contínua dos professores, não obstante sendo ruim por si só, também dificulta a atualização dos docentes brasileiros, o que, por sua vez, vai tornando a educação cada vez mais defasada. A consciência política no que diz respeito à importância social dos professores é baixa, resultando em um inevitável descaso quanto à carreira. Se continuarmos seguindo nessa direção, nada garantirá que conseguiremos achar o caminho de volta.
Devemos dar um basta, portanto, em nossos hábitos reacionários. Precisa haver um investimento pesado na educação e nos profissionais que atuam nessa área. Não podemos esperar que os outros façam por nós aquilo o que é certo; a sociedade deve exigir do governo os direitos básicos que nos pertencem por lei. Políticas para a melhoria da educação são necessárias com urgência, mas, mais do que isso, precisa haver uma mudança de mentalidade com relação à profissão docente. Todos sabemos, afinal, que aprender é um privilégio. Por que, então, também não tratamos os professores como um?

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